Ir para o conteúdo. | Ir para a navegação

Navigation

"Estava doente e visitastes-me..."

Ferramentas Pessoais

This is SunRain Plone Theme
Você está aqui: Entrada / Formação / Vivencias frente à doença e linguagem do sofrimento

Vivencias frente à doença e linguagem do sofrimento

de Pe Fernando Sampaio

Vivências frente à doença e linguagem do sofrimento

Fernando Sampaio

 

A doença: um hóspede incómodo

 

a) A doença atinge a todos e revela a precaridade do homem.

A doença não perdoa a ninguém. Só alguns se livram da experiência da doença porque morrem de repente. Chega de muitas formas e geralmente é imprevista e inoportuna. Quebra o rítmo da vida, limita capacidades, destrói projectos…

Na maioria das vezes apresenta~se ruidoso. O corpo estava sossegado, silencioso, e,  de repente, os órgãos “acordam”, surge um traumatismo …

A doença dá conta da vulnerabilidade humana, da fragilidade, anuncia a morte. Por mais que o nosso pensamente nos diga que somos omnipotentes, perfeitos, invencíveis, sem necessidade dos outros… a doença vem recordar-nos que somos feitos de barro, limitados, finitos, necessitados dos outros ….

b) Interpelações e perguntas

Apesar da ajuda solidária dos outros, dos recursos da técnica, dos hospitais e dos técnicos de saúde, apesar de uma luta sem trégoas contra a doença, esta sempre interpela a capacidade reflexiva e o doente interroga-se, procura razões, procura culpados. Inicialmente pode negar a doença, não a aceitando, pode acusar a própria responsabilidade no apareceimento da doença (o estilo de vida, comer ou beber demais, fumar…). Mas uma pergunta de fundo, uma pergunta que acompanha todos os homens em situações de fraqueza,  surgirá sempre: porquê a mim?

No intuito de dar resposta a tal interrogação, sentámo-nos no banco do juíz, umas vezes, e, outras, no banco do réu. E sentámo-nos não só nós, mas também os outros e Deus. Interrogamo-nos com mil perguntas e mais mil surgem sem resposta. Interrogamos a memória à procura de alguma falta, como se de um castigo se tratasse.

Interrogamos igualmente Deus. Fazemo-lo, umas vezes, disfarçadamente, com medo, outras vezes directamente, quando temos a coragem de o enfrentar. E Deus cala. Parece que faz silêncio, que nos abandona a forças invencíveis, parece que tem gozo no nosso sofrimento, na sua pequenez, na nossa incapacidade. E este silêncio de Deus torna-se o pior dos sofrimentos.

Mas o coração não se pode calar quando surge a doença e  sente a dor. E a interrogação continua: valerá a pena lutar? A que preço? Não será melhor morrer?

Ao longo da doença, é ela é prolongada, se reduz as capacidades, se destrói projectos, se torna crónica, ou  se conduz à morte (cancro, …). Também aqui queríamos uma resposta de Deus, mas só aparece o silêncio.

c) As reacções ou mecanismos que a experiência dor e doença desencadeia.

1.     Revolta ou rebeldia 

           Alguns doentes reagem à doença com revolta, agressividade. Vai contra as pessoas que a rodeiam e/ou contra Deus, a Igreja, os padres... Geralmente ficamos atrapalhados e defendemos Deus... A revolta é uma forma de reacção que indica a dificuldade ou incapacidade interior em aceitar a doença. Geralmente passa. A forma de ajudar a passar é não responder à agressividade, mas entender a agressividade/revolta como um desabafo.

Os Salmos expressam na oração esta revolta e dão a indicação de que esta rebeldia na relação com Deus se torna verdadeira oração.

Afastai de mim os vossos golpes, a Vossa mão agressiva me consome. (...)

Ouvi, Senhor, a minha oração, escutai o meu clamor, não fiqueis insensível às minhas lágrimas. Diante de vós, não sou mais que um peregrino, um estrangeiro como os meus antepassados. Voltai-vos para mim e ficarei sereno, antes que eu parta e deixe de existir (Sl. 39).

2.     Tristeza

         Outros doentes reagem com tristeza. Ficam deprimidos, metidos consigo próprios, chorando continuamente, falando pouco ou nem querendo falar. Sentem-se abandonados, sozinhos, mesmo que estejam rodeados de gente, e a partir deste abandono dirigem-se a Deus queixando-se.

É o que  acontece no Salmo 88:

A minha alma está saturada de males, e a minha vida quase toca o sepulcro.

Já estou no rol daqueles que baixam à tumba, sou como um homem sem amparo.

Estou deitado entre os mortos, igual aos defuntos que jazem no sepulcro, dos quais já Vos não lembrais, uma vez separados da Vossa mão.

Lançaste-me no poço mais profundo, nas trevas, nos abismos.

Sobre mim pesa a vossa indignação, humilhais-me com toda a aflição”.

3.     A rejeição de Deus

          Frente ao silêncio de Deus, ao abandono,  à insensibilidade frente ao sofrimento e apelos  do homem sofredor, vai a rejeição. Se Deus existe, como é possível este sofrimento? E  a violência, a guerra, a injustiça, o sofrimento das crianças, etc. são trazidos para a discussão. Como é possível que tenha criado um mundo assim? Como é possível ficar quieto frente a tanto mal? Não existe!

4.     Fatalismo

         Outros reagem com fatalismo: “Mais cedo ou mais tarde toca a todos”; “todas as desgraças vêm ter comigo”. É a reacção de quem sente abandonado ao inevitável, resignado, desanimado ante o inexplicável.

5.     Comércio com Deus

Também se encontram pessoas que no meio da doença se dirigem a Deus negociando com Ele. Isto é, pedem-lhe saúde a troco de uma conversão, ou dizendo a Deus o que deve fazer para que as coisas tomem um bom rumo. Às vezes no modo de orar aparece esta reacção: nós fazemos um favor a Deus para que Ele nos faça um favor também. Um modo de tirar à fé o dom da gratuidade.

6.     A graça na desgraça

          Também surgem reacções contraditórias que brotam da descoberta de novos valores no meio da doença e da limitação, chegando a dizer: desgraçadamente tive a sorte de estar doente; a doença foi uma prenda de Deus; a doença transformou-me, foi um presente de Deus...

 

São diversas as reacções dos doentes ao sofrimento porque a experiência é única para cada pessoa e cada um reage de forma pessoal ao sofrimento que lhe bate à porta.

 

Tentativas de resposta

Na intenção de ajudar o doente a compreender o porquê do sofrimento, ao longo dos séculos, forma dadas diferentes respostas.  Um exemplo é o livro de Job. Job manifesta os seus sentimentos e as suas queixas. Os amigos tentam consolá-lo segundo os modelos catequéticos da época. Muitas vezes fazemos coisas semelhantes. Job censura-os, não aceita o seu consolo. Também nós, por vezes, sentimos que os doentes são ingratos porque recusam o nosso consolo. Será possível consolar alguem com explicações e raciocínios?

a)    Sofrimento e pecado .

Dizemos que Deus é omnipotente e misericordioso. Então, ou Deus quer eliminar o sofrimento e não pode ou pode e não quer. Se ó omnipotente e não quer, não é bondoso; se é bondoso e não pode, não é omnipotente; ou então nem pode nem quer.

Neste esquema de interpretação do sofrimento temos então:

-       a retribuição - o sofrimento é consequência do pecado (ao sofrimento corresponde o pecado). Mas que mal fez uma criança inocente? Não fez nada. Logo, não deve sofrer.

-       Consequência do pecado original em sentido histórico-físico.

-       Retribuição ampliada – uns pagam pelos pecados dos outros (Ez 18, 2).

-       Há certamente uma relação natural entre algumas enfermidades e o comportamento da pessoa, mas nunca pode ser lido como castigo de Deus (Jo 9, 2-3).

+    A Bíblia ajuda a compreender – Job revolta-se contra a doutrina retribuicionista exposta pelos amigos. Luta pela sua inocência. O texto não dá explicações.

+   Em João 9, 2-3 – surge uma relação natural entre algumas enfermidades e o comportamento, mas não se pode ler que é castigo de Deus 8quem pecou, ele ou os pais? ...).

          A questão está, pois em querer dar uma resposta para aquilo que não tem resposta porque pertence à dimensão do mistério. O que desumaniza é exactamente a resposta.

b)    Sofrimento e purificação

-       Finalidade do sofrimento é educativa. Deus dá o sofrimento para repreender e corrigir aqueles que ama e  para levar ao reconhecimento de Deus pedindo ajuda (Pr 3, 11).

-       O sofrimento é enviado por Deus, fruto do Seu amor (purificar) em vez da cólera (castigo).

-       O sofrimento pode ser factor de crescimento, mas também pode embrutecer.

-       Será Deus um sádico que, para experimentar a fidelidade do crente, envia o sofrimento? Como se explicaria o sofrimento das crianças que ainda não podem reflectir para tirar proveito do sofrimento? Se necessitasse de experimentar o crente, seria Deus omnisciente?

c)     Sofrimento e substituição: oferecimento.

-       o sofrimento vicário, substitutivo, para satisfazer a Deus, para expiar os pecados, a culpa própria e/ou dos outros (Is 40; 52).

-       Porém o conceito de “expiação”, segundo Leon Dufour, não significa substituir o pecado pelo sofrimento, pela parte do homem, para evitar o castigo, mas é fundamentalmente uma atitude de Deus que se oferece a si mesmo para que o homem se deixe reconciliar com Ele. Deus não castiga nem cobra pelo preço do pecado, mas quer oferecer-se para que o homem se deixe reconciliar. É um acto gratuito de Deus que não implica reparação por parte do homem.

Poder-se-á oferecer os sofrimentos pelos missionários? Pelos pecadores? Deus Quer misericórdia e não sacrifício. O importante, então, é viver o tempo do sofrimento em comunhão com Deus e com os outros. Devemos considerar que oferecer os sofrimentos pelos missionários do Ruanda se, por um lado, tem subjacente um negócio com Deus (temos aqui também os sacrifícios, as promessas, as indulgências), por outro, pode também tem subjacente a comunhão com os seus trabalhos missionários sendo o tempo do sofrimento vivido com valentia nessa relação.

d)    Completar os sofrimentos de Cristo (Col 1,24).

-       O que significa?

-       Col 1, 24 : “completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, em favor do seu corpo que é a Igreja”. O que falta à paixão de Cristo? Não foi suficiente? Paulo refere-se ao sofrimento ministerial: completa uma praxis iniciada por Jesus de luta contra o mal e isso implica tribulações.

-       O que salva é o amor e não o sofrimento. O sofrimento em si é uma desgraça (SD 28). Paulo fala do sofrimento ministerial; fala do mal por que está passando por causa do anúncio do Evangelho, continuando a missão de Cristo na construção do Reino. O que significa, então, configurar-se aos sofrimentos de Cristo? Significa viver a comunhão com o Pai ao jeito de Jesus, dar testemunho do seu amor nas mais variadas circunstâncias da vida e enfrentar o sofrimento com valentia.

e)    Sofrimento e evolução

            Segundo esta perspectiva, a liberdade humana está prefigurada na natureza mediante as leis de selecção natural e da imperfeição (causalidade). A causalidade estaria para a natureza como a liberdade para o homem. Será que, para exercer o seu capricho criador, Deus se sujeitou a criar uma natureza limitada e em evolução? Desta forma nos faria pagar o preço da liberdade criando o melhor dos mundos possíveis.

 

Purificar a linguagem do sofrimento ([1])

 

-       A questão não está em encontrar uma resposta para um problema. Precisamos purificar nossa linguagem acerca do sofrimento. Aquilo que desumaniza são as respostas que damos para aquilo que não tem resposta. Estamos frente a um mistério e não frente a um problema. A pergunta do porquê não procura resposta, mas expressa a inquietação existencial frente ao absurdo da vida devendo cada um encontrar o seu percurso dentro de si próprio, integrando o absurdo da vida.

O que fazer então com a pergunta?

-       Apresentá-la diante de Deus pela oração porque é legítima.

-       O crente tem, assim, a quem a dirigir.

-       Não temos uma resposta, mas temos um modelo para viver com o sem sentido : Jesus Cristo que vence o sofrimento que é possível superar, foge do sofrimento evitável e aceita o sofrimento a que não pode fugir, integrando-o e continuando fiel ao Pai.    O sofrimento é, portanto, diversificado e devemos reconhecê-lo e distinguí-lo.

-       Há que distinguir:

·      O sofrimento como consequência do pecado, é necessário denunciá-lo. Se nos convertêssemos muito desse sofrimento desapareceria.

·      O sofrimento como consequência da natureza (morte natural, doenças, catástrofes...Devemos lutar pela saúde com formas solidárias).

·      O sofrimento como consequência do amor.

 

Viver sadiamente o sofrimento

  1. Não buscar arbitrariamente o sofrimento

O que agrada a Deus não é o sofrimento exigido pelo seguimento fiel de Cristo (mas é o seguimento fiel). Face ao sofrimento próprio ou alheio não exigido pelo dito seguimento, a atitude mais sadia e evangelizadora é esforçar-se por evita-lo, suprimi-lo ou alivia-lo na medida do possível.

  1. Eliminar o sofrimento desnecessário

Em nossas vidas há um sofrimento que é necessário suprimir se queremos seguir a Cristo. A eliminação deste sofrimento é sempre fonte de saúde:

-       o sofrimento desnecessário faz sofrer quem o suporta e o entorno;

-       as pessoas ressentidas criam à sua volta ressentimentos;

-       os que estão em conflito consigo mesmos criam conflitualidade à sua volta;

-       os descontentes consigo mesmos criam descontentamento.

  1. Aliviar (tirar) o sofrimento aos outros

Lutar contra o sofrimento injusto e inevitável provocado pelo pecado do homem, esforçando-se por eliminar o egoismo, a injustiça, os abusos, a marginalização e o mal encarnado nos costumes, estruturas e instituições. Mitigar quanto possível a dor e o sofrimento inevitável do ser humano (enfermidade, velhice, culpabilidade, morte... ).

  1. Aceitar a cruz (integrar o sofrimento inevitável)

Na vida há uma cruz inevitável ligada à luta contra o sofrimento e à busca da coerência.

Assumir o sofrimento que se encontra na luta contra o sofrimento em atitude de fidelidade ao Pai  e de serviço aos homens (é a isto que podemos chamar “aceitar o sofrimento”, isto é, “lutar contra o sofrimento ainda que isso traga sofrimento). Seguir a Cristo na sua luta contra o sofrimento, aceitando as consequências dolorosas que estão inerentes a este seguimento.

  1. Assumir o sofrimento inevitável em comunhão com O Crucificado.

Ante a dor absurda e inevitável, viver o sofrimento sem exasperação ou rebeldia, isolamento ou autocompaixão, e vivê-lo segundo o exemplo de Jesus Cristo de uma forma reconciliada consigo, com os outros e com Deus.

V. Frankcl (?), judeu que sobreviveu ao campo de concentração, fala de três tipos de valores:

-       os que dependem da acção

-       os que dependem da relação (amor)

-       e os que dependem da capacidade de suportar. (Modo como se vive o que não se pode mudar. Eu posso dar o último sentido, eu posso viver sendo eu mesmo no meio do sofrimento. Se querem roubam a carteira, eu ofereço-a).

Como viver sadiamente o sofrimento a partir da fé?

-       sendo fiel ao Evangelho.

-       Conjugar o verbo amar na passiva –deixar-se amar, deixar-se querer – e desta forma tornar-se missionário. 

Saúde na reflexão sobre o sofrimento

·      Deixar-se interpelar. Acolher as perguntas a partir do “sentido”

·      Esquemas de reflexão teológica acerca do sofrimento.

·      Purificar a linguagem sobre o sofrimento no encontro pastoral.

·      Pistas para viver saudavelmente o sofrimento.

Deixar-se interpelar. Acolher as perguntas a partir do “sentido”

Pode falar-se de saúde em várias dimensões: física, psicológica, relacional .... e também espiritual.

Pretende-se aqui enfatizar a saúde espiritual à  volta da vivência do sofrimento.

A  forma de viver a fé pode ser promotora de doença. Há agentes de pastoral em que a forma como promovem a reflexão sobre a doença, promovem a morbilidade. É necessária, por isso, a promoção da “competência espiritual” nos agentes de pastoral.

É “espiritualmente competente” quem é capaz de manejar em si mesmo e na relação com os outros e com o mundo os valores e as perguntas pelo “sentido”. (Porquê? Porque é que Deus permite isto?). Com efeito, não são as perguntas que interessam, mas saber manejar o porquê da pergunta, o “sentido” que lhe está por detrás. É importante, por isso, conhecer os esquemas de interpretação, as tentativas de reposta que têm sido dadas pela cultura, pela teologia, pela filosofia, etc. de que geralmente somos portadores.

Manejar a pergunta através do “sentido” significa compreender o seu significado emocional; significa perceber que não é procurada uma resposta, mas sim expressa uma necessidade de compartilhar o “sem sentido existencial” que o sofrimento veicula. Ou seja, não se procura a resolução de um problema através de repostas racionais, mas reflectir sobre um “mistério”. A resolução para  os problemas está sempre fora do sujeito, a compreensão para o mistério encontra-se dentro.

 

Purificar a linguagem do sofrimento no encontro pastoral

Maria, de 84 anos, foi internada devido a dores abdominais. Encontra-se em observação. Foi empregada doméstica de uma senhora, mais ou menos da mesma idade, desde muito jovem, a quem sempre chamou de “Senhora”. Foi-lhe muito dedicada, ficando dependentes uma da outra.

Ao anoitecer, ao passar junto ao seu quarto, entrei para a saudar e à sua companheira antes de dormirem. Maria pediu a comunhão quando entrou, por isso encontrei-a várias vezes. Há umas semanas falou-me da morte da sua “Senhora”. Têm as luzes acesas e parece que falam dela. Bato à porta antes de entrar.

A.1 – Boa noite, posso entrar? (Maria e a companheira já estão deitadas) Como passaram o dia? (Maria olha a companheira e os olhos se lhe humedecem. Sento-me na cama, pego-lhe na mão e observo-a fixamente sem dizer nada. Os seus olhos diziam tudo. Está triste, apagada).  Maria, diga-me, que se passa consigo? (Baixa os olhos, deixa cair a cabeça para os lados e aperta os lábios um contra o outro. As lágrimas correm pela cara).

M.1 – A minha Senhora ...já vivia com ela há 60 anos. Estava sempre comigo. Queria-a como se fosse minha mãe (os soluços afogavam-lhe cada vez mais a voz e eu ia-lhe enxugando as lágrimas), e Deus levou-ma  (Chora compulsivamente).

A.2 – É a lei da vida, Maria. Há sempre uns que vão mais cedo que outros!

M.2 – Bem podia ter ido eu antes! (Soluça) Queria-a muito. Era tão boa...

A.3 – Quem sabe, talvez Deus precisasse dela lá... (Maria vai-se acalmando e olha-me nos olhos).

M.3 – Deus não precisava dela. Já lá tem muita gente e eu estou só. Eu não tenho ninguém. Só a tinha a ela e Deus tirou-ma. Não é justo!

A.4 – Não se pode julgar a Deus, Maria. Talvez esteja a pôr a sua fé à prova?

M.4 – Sim, talvez, mas é uma prova muito dura. (Está mais tranquila. É ela agora que me afaga a mão).

A.5 – E sabe, Maria, você não está só. Tem aqui uma companheira simpática. Reparei também que o pessoal gosta muito de si e a trata com carinho. Sabe, e também me tem a mim para o que precisar.

M.5 – Sim, obrigado ... (baixa o olhar e solta-me a mão), porém todos se vão. Todas as pessoas boas se vão embora. (Entristece-se).

A.6 – Não, Maria, sempre que precisar tem-nos aqui. Esta noite pode oferecer os seus sofrimentos ao Senhor. Verá como fica mais tranquila (Dou-lhe um perto de mão e vou-me retirando pouco a pouco, saudando as duas).

 

A.1 – Boa noite, posso entrar? Como passaram o dia? (Maria olha a companheira e os olhos se lhe humedecem. Sento-me na cama, pego-lhe na mão e observo-a fixamente sem dizer nada. Os seus olhos diziam tudo. Está triste, apagada).  Maria, diga-me, que se passa consigo? (Baixa os olhos, deixa cair a cabeça para os lados e aperta os lábios um contra o outro. As lágrimas correm pela cara).

M.1 – A minha Senhora ...já vivia com ela há 60 anos. Estava sempre comigo. Queria-a como se fosse minha mãe (os soluços afogavam-lhe cada vez mais a voz e eu ia-lhe enxugando as lágrimas), e Deus levou-ma  (Chora compulsivamente).

A.2 – É a lei da vida, Maria. Há sempre uns que vão mais cedo que outros!

M.2 – Bem podia ter ido eu antes! (Soluça) Queria-a muito. Era tão boa...

A.3 – Quem sabe, talvez Deus precisasse dela lá... (Maria vai-se acalmando e olha-me nos olhos).

M.3 – Deus não precisava dela. Já lá tem muita gente e eu estou só. Eu não tenho ninguém. Só a tinha a ela e Deus tirou-ma. Não é justo!

A.4 – Não se pode julgar a Deus, Maria. Talvez esteja a pôr a sua fé à prova?

M.4 – Sim, talvez, mas é uma prova muito dura. (Está mais tranquila. É ela agora que me afaga a mão).

A.5 – E sabe, Maria, você não está só. Tem aqui uma companheira simpática. Reparei também que o pessoal gosta muito de si e a trata com carinho. Sabe, e também me tem a mim para o que precisar.

M.5 – Sim, obrigado ... (baixa o olhar e solta-me a mão), porém todos se vão. Todas as pessoas boas se vão embora. (Entristece-se).

A.6 – Não, Maria, sempre que precisar tem-nos aqui. Esta noite pode oferecer os seus sofrimentos ao Senhor. Verá como fica mais tranquila (Dou-lhe um perto de mão e vou-me retirando pouco a pouco, saudando as duas).\

 

Purificar a linguagem do sofrimento

Há expressões que não dizem nada, não ajudam ninguém e que chegam mesmo a provocar o doente. Servem apenas para aliviar a nossa ansiedade.

o   – “É a vontade de Deus

o   – “Deus nos mando só o que somos capazes de suportar

o   – “Deus põe à prova aqueles que mais ama”

o   – “Não cai um só cabelo sem que Deus o permita. Foi Deus quem o(a) levou”.

o   Enquanto há vida  há esperança”

o   Sê forte”

o   – “Oferecer os sofrimentos ao Senhor

o   Outras expressões ...

o   Sob  o ponto de vista da fé a pergunta pelo sentido do sofrimento não obtém respostas racionais, mas o cristão conta com alguém a quem dirigir a pergunta. O “porquê a mim?”, “porque é que Deus permite?” e “até quando?” são perguntas que, dirigidas a Deus, têm um componente de oração autêntica que está em sintonia com a experiência pessoal.

o   A atitude cristã ante a dor não é a resignação entendida como comportamento passivo, fatalista, mas a luta contra o sofrimento e a integração do mesmo quando não pode ser eliminado, vivendo-o sadiamente, isto é, em relação pacífica consigo mesmo, com os outros, com o mundo e com Deus.


[1]  - Purificar a linguagem do sofrimento – Há expressões que não dizem nada, não ajudam ninguém e que chegam mesmo a provocar o doente. Servem apenas para aliviar a nossa ansiedade.

o   – “É a vontade de Deus” –A vontade de Deus é o seu projecto salvador. Deus não é um cacique que se diverte manipulando a seu belo prazer.

o   – “Deus nos mando só o que somos capazes de suportar” – Deus não tem um dolorímetro nem é o agente directo dos sofrimentos. Respeita a criação e a liberdade.

o   – “Deus põe à prova aqueles que mais ama” – (Não estranha que tenha tão poucos amigos). Deus não envia provas para corrigir os nossos desvios nem para comprovar a nossa fidelidade. Deus não é sádico.

o   – “Não cai um só cabelo sem que Deus o permita. Foi Deus quem o(a) levou”. – Deus não se dedica a roubar ou raptar as pessoas queridas.  Dizer que Ele tem poder sobre todas as coisas não significa não significa que controle tudo de uma forma caprichosa.

o   Enquanto há vida  há esperança” – Em situações objectivamente graves, esta expressão não diz nada. Pode levar a justificar o encarniçamento terapêutico.

o   Sê forte” – (O melhor é aprender a ser débil). Isto é, “não chores”. Ou seja, é um convite a não se enfadar frente ao sofrimento, não se deprimir... Desta forma estamos a desvalorizar o estado de ânimo de quem sofre e a fazer valer o nosso. A atitude terapêutica é reconhecer como legítimas as diferentes expressões de estado de ânimo.

o   – “Oferecer os sofrimentos ao Senhor” – Deus não é alguém que insaciavelmente espera os nossos sofrimentos como oferta (a alguém muito querido não se oferece algo que é mau, como o sofrimento). Deus seria sádico. À paixão de Cristo não falta nada para que se realize a salvação. A expressão de S. Paulo (Col 1, 24) refere-se aos sofrimento que tem de suportar como consequência do anúncio do Evangelho, como inerência do seu ministério no seguimento de Cristo. Então é o amor realizado no seu ministério –que comporta sofrimento- o que completa o que falta à construção do Reino.

o   Outras expressões ...  – “Deus aperta, mas não esmaga”; “não há mal que dure cem anos”; “depois da tempestade sempre vem a bonança”; “para um cachorro fraco tudo são pulgas”; “outros ainda estão pior”; “isso não é para tanto”; “pois está com boa cara”; “podia ter sido pior”; “há outros bem pior”; “os homens não choram”; “tu és forte, vais superar”; “o tempo tudo cura”; “é um bom doente, nunca se queixa”; “dentro de alguns dias já estás bom”; “Eu bem te dizia”; “não te preocupes, estás em boas mãos; ...

o   Sob  o ponto de vista da fé a pergunta pelo sentido do sofrimento não obtém respostas racionais, mas o cristão conta com alguém a quem dirigir a pergunta. O “porquê a mim?”, “porque é que Deus permite?” e “até quando?” são perguntas que, dirigidas a Deus, têm um componente de oração autêntica que está em sintonia com a experiência pessoal.

o   A atitude cristã ante a dor não é a resignação entendida como comportamento passivo, fatalista, mas a luta contra o sofrimento e a integração do mesmo quando não pode ser eliminado, vivendo-o sadiamente, isto é, em relação pacífica consigo mesmo, com os outros, com o mundo e com Deus.